— Querido Painho e Mainha,
Moro em uma comunidade quilombola onde estou aprendendo muitas coisas novas.
— Do azeite do dendê se fazia, e se faz ainda, a oferenda para Santa Bárbara.
A palma do dendê, que se chama mariô, é usada para banho de descarrego.
— A comunidade, antigamente, tinha umas 200 famílias, com grande extensão de terra, antes de chegar empresas e fazendeiros. Hoje as famílias estão vivendo em lotes.
— Fico muito feliz de Deus ter me enviado pra esse lugar onde conheci uma nova cultura.
— Vocês já viram uma mandioca roxa que quando cozinha fica com cor de cenoura? Pois aqui tem.
— Hoje em dia, nós desta comunidade, estamos lutando para conseguir nossos direitos sobre nosso território para que possamos ter de volta nossos rios, nossas matas e lagoas vivos. Que serão passados de gerações para gerações.
— Termino essa carta com o coração partido mas alegre.
Os Projetos Cine Quilombola e Cinema de Griô nascem a partir do desejo de estabelecer uma correspondência entre comunidades quilombolas por meio do cinema.
Esse desejo toma a forma de oficinas de cinema em quilombos do Espírito Santo que realizam curtas-metragens e produzem sessões públicas de exibição desses filmes nas comunidades em que foram feitos.
Em cada quilombo se formou um pequeno grupo, que durante três ou quatro dias trabalhou junto a nossa equipe para captar as imagens e sons que vão dar origem aos filmes.
Os filmes não partem de um roteiro prévio, mas de exercícios de criação propostos por nós, que podem ser a escrita de cartas, a contação de sonhos, etc… A partir do que cada pessoa traz de história, de memória, de invenção nasce o rumo do filme.
A figura de um diretor é dissolvida, existe um investimento e uma crença nesse modo comunitário de tomar as decisões, de exercitar a criação.
A metodologia parte de alguns princípios que têm origem no projeto Revelando os Brasis e na Pedagogia do Dispositivo. “Qualquer pessoa é capaz de contar a sua própria história através do cinema” a partir de uma tecnologia que dispara processos criativos desviando da ideia da produção de imagens como representação. Na lateralidade da troca de saberes entre uma equipe de cinema e moradores de uma comunidade quilombola, construímos um filme.